Atualmente, a questão da dependência química e do álcool permeia praticamente todas as ações no contexto da assistência social, seja na perspectiva preventiva ou de tratamento. Desde o trabalho com crianças e adolescentes, até o trabalho com a terceira idade, passando pelos trabalhadores de empresa, mulheres vitimizadas, moradores de bairros periféricos ou assentamentos... sempre, de alguma forma, depara-se com a problemática das drogas e do álcool, de forma direta ou indireta.
A dependência química pode ser assim chamada, pois abarca o uso de todos os tipos de substâncias psicoativas; ou seja, qualquer droga que altera o comportamento e que possa causar dependência: álcool, maconha, cocaína, crack, dentre outras.
A Organização Mundial de Saúde reconhece a dependência química como doença, porque há alteração da estrutura e no funcionamento normal da pessoa, sendo-lhe prejudicial. Não tem causa única, mas é produto de uma série de fatores (físicos, emocionais, psíquicos e sociais) que atuam ao mesmo tempo, sendo que às vezes, uns são mais predominantes naquela pessoa específica, do que em outras. Atinge o ser humano nas suas três dimensões básicas (biológica, psíquica e espiritual), e atualmente, é reconhecida como uma séria questão social, à medida em que atinge o mundo inteiro, em todas as classes sociais.
Sem o tratamento adequado, a dependência química tende a piorar cada vez mais com o passar do tempo, levando a pessoa a uma destruição gradativa de si mesma, atingindo sua vida pessoal, familiar, profissional e social.
Em função desse quadro, muitas são as instituições junto à sociedade civil que têm se proposto a desenvolver um trabalho de assistência e tratamento a dependentes químicos: grupos anônimos, clínicas ou casas de recuperação, hospitais, etc. O número delas cresce à medida em que a demanda aumenta, levando grupos, comunidades, associações, clubes de serviços e igrejas a organizarem trabalhos de atendimento a esse segmento. As propostas de formas de atendimento a essa população específica variam de acordo com a visão de mundo e perspectiva política, ideológica e religiosa dos diferentes grupos.
O enfoque de nossa pesquisa foi direcionado no contexto de uma comunidade terapêutica que trabalha em sistema de internamento, sob abstinência total.
Quando essas pessoas chegam a uma dessas instituições, geralmente já se conscientizaram que necessitam de ajuda para vencer a dependência, bem como explicitaram o desejo de se submeterem ao tratamento. Não raramente estão com suas relações sócio-familiares prejudicadas, quando não destruídas, e com seus projetos educativo e profissional interrompidos. Na verdade estão experenciando um processo de exclusão social decorrente do consumo de álcool ou de outras drogas de forma reincidente e dependente. Mas, por outro lado, esse processo de exclusão já é instaurado antes da dependência química, pois na maioria da vezes, essas instituições recebem em seus quadros, pessoas oriundas de segmentos sociais já excluídos social e economicamente que, conforme reportagem da Folha de São Paulo, de 26/09/98, no Brasil integram 63% da população.
Em decorrência, ao término do tratamento, o que geralmente dura de 8 a 10 meses, o sujeito recuperado se vê diante de outro desafio: o retorno ao meio sócio-familiar. Trata-se do reinicio das relações no âmbito da família, do trabalho, da escola... o que é decisivo para o seu retorno ou não ao uso de drogas. Dependerá de como essa reinserção é trabalhada, enfrentada e assumida por todos os envolvidos nesse processo: profissionais, egressos e familiares.
Nesse sentido, o processo de reinserção social do egresso do Meprovi-Clínica consubstanciou-se como nosso objeto de estudo, buscando conhecer a dinâmica do processo de exclusão/inclusão do egresso daquela instituição ao meio sócio-familiar.
O Meprovi-Clínica há doze anos atua na cidade de Londrina com o objetivo de prestar atendimento ao dependente químico com vistas ao seu tratamento, atuando na dimensão física, psíquica e espiritual. O ciclo do tratamento dura nove meses, ao final do qual o interno geralmente é considerado apto para o convívio social e familiar. Trata-se de instituição sem fins lucrativos, mantida através de convênios, doações e campanhas, sendo uma das executoras do Ministério Evangélico Pró-Vida (MEPROVI). A população atendida é constituída por pessoas do gênero masculino, a partir de 12 anos de idade, dependentes de álcool e/ou drogas, provenientes de qualquer região do país, sem distinção de raça, religião ou condição sócio-econômica.
O Processo de Reinserção Social do Dependente Químico após completar o Ciclo de Tratamento: o caso dos egressos do Meprovi-Clínica
Procedimentos metodológicos:
Delimitação da amostra
Para a delimitação dos sujeitos da pesquisa, definimos que seriam todos os internos do Meprovi-Clínica que tivessem completado os nove meses de tratamento, durante os anos de 1998 e 1999. Nossa opção por aqueles que completaram os nove meses se deve ao fato de, quando isso acontece, geralmente estes são considerados aptos para o retorno ao convívio sócio-familiar, pois passaram por todo o ciclo terapêutico; e a decisão pelos dois últimos anos foi considerando o fato de que seriam localizados com mais facilidade, além de que estariam com a experiência do internamento e da volta ao convívio sócio-familiar ainda recente, com mais facilidade de exposição dos fatos, situações e sentimentos envolvidos.
Ao consultarmos a documentação da Instituição (cadastros e fichas de ex-internos), constatamos que durante os anos de 1998 e 1999, trinta e dois completaram o ciclo de tratamento; e que, destes, dezoito apontavam endereço residencial em Londrina, e catorze em outras cidades do Paraná, São Paulo e até do Acre.
Nosso universo de pesquisa, então, constituiu-se de trinta e dois egressos do Meprovi-Clínica, que permaneceram os nove meses de internamento na Instituição, tendo se desligado da mesma no decorrer dos dois últimos anos que antecederam este trabalho.
Decidimos abordar o universo total, deixando que a amostra se definisse naturalmente a partir dos contatos com os egressos, pois já contávamos, de antemão, que não seria possível a abordagem de todos, pois além de endereços incorretos, poderíamos não ter retorno das correspondências, bem como alguns poderiam apresentar recusa em participar da pesquisa.
Dos dezoitos residentes em Londrina, foram realizadas apenas quatro entrevistas. Com onze destes foi possível apenas estabelecer contato com familiares, e três não foram encontrados. Quanto aos residentes em outra localidades, uma correspondência foi devolvida pelo correio por não encontrar o endereço citado, um não foi possível enviar correspondência pois o endereço estava incompleto, quatro não responderam e oito retornaram os formulários preenchidos.
Portanto, de um universo de trinta e dois sujeitos, obtivemos uma amostra de doze entrevistas, o que significa 37.5%.
Coleta dos dados
Os dados foram coletados através de entrevistas estruturadas com aqueles que apontavam residência em Londrina nas fichas cadastrais da Instituição. Foram procurados pessoalmente, sempre que possível, marcando as entrevistas com antecedência e explicando o objetivo das mesmas. Aos residentes fora do município de Londrina, os formulários foram enviados pelo correio, acompanhados de uma carta explicativa solicitando a contribuição deles para responder as perguntas ali contidas.
Resultados e discussão
a) quanto aos dados pessoais
A faixa etária dos sujeitos da pesquisa é de 17 a 39 anos, divididos eqüitativamente. Trata-se, portanto, de uma população jovem, em idade de produção econômica, constituição de família e geração de filhos. A porcentagem de solteiros é de 66.6%, predominando a faixa etária de até 27 anos. Os casados somam 16.6%, sendo de igual porcentagem os divorciados e viúvos.
Tabela 1 – Faixa Etária
Faixa etária N.º %
17 a 22 04 33.3%
23 a 27 04 33.3%
32 a 39 04 33.3%
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi –2000
Com relação a filhos, 50% os possui e 50% ainda não são pais. Dos seis sujeitos que afirmaram ter filhos, dois possuem 02 filhos e dois apenas 01, sendo que a faixa etária que prevalece é de 0 a 6 anos. Dentre esses, apenas dois que, classificaram-se como solteiros, afirmaram ser pais.
b) Quanto à situação habitacional e familiar
Todos os entrevistados, atualmente, residem com algum familiar, sendo que sete (58.3%), em casa própria. Moram em residências alugadas, quatro (33.3%), e apenas um (8,3%), em financiadas. O valor mínimo de aluguel pago é de R$80,00 e o máximo R$800,00. Mas, a faixa média concentra-se entre R$80,00 e R$260,00. Apenas um afirmou estar com o aluguel atrasado (01 mês).
As casas possuem de 04 a 05 cômodos, sendo que 83.3% delas são de alvenaria, predominando casas em Conjuntos Habitacionais e bairros populares.
Tabela 2 – Tipo de Residência
Residência N.º %
Própria 07 58.3%
Alugada 04 33.3%
Financiada 01 8.3%
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
No período precedente ao internamento no Meprovi-Clínica, todos residiam com familiares. Sete residiam com pais e irmãos (41.6%); e apenas dois apontam as esposas, por serem, em sua maioria, solteiros.
Com esses dados, podemos perceber que são jovens oriundos de bairros populares, vinculados à famílias de classe média baixa e baixa, e que embora cinco (58.3%) não procedam de famílias onde predomina a relação da chamada família nuclear burguesa 1, todos, de alguma forma, possuem vínculo familiar, garantindo o contato durante o período de internamento.
Esse dado é significativo frente à afirmativa de que 100% dos entrevistados receberam visitas durante o ciclo de tratamento. Destas, onze (91.7%) eram de familiares: mãe, pai, irmãos, avós, tios... Apenas um (8.3%) declarou que recebia visita somente da namorada.
Quanto à periodicidade, as visitas ocorriam de forma esporádica para somente três (25%) dos sujeitos entrevistados. Para os demais, estas eram de semanal a mensal.
Tabela 3 – Visitantes
Visitas N.º %
Familiares 11 91.7%
Outras formas 01 8.3%
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
Podemos perceber o papel importante da família durante o período de tratamento desses atores, fazendo-se presente na Instituição semanal, quinzenal e mensalmente. Para o interno, essa presença é fundamental no sentido do cumprimento dos nove meses de tratamento, sentindo-se acompanhado e alvo do interesse e preocupação de familiares. Ressalta-se o fato de que, para aqueles cujas famílias residem fora do município de Londrina, essas visitas não ocorriam semanalmente.
Nesse raciocínio, nove dos entrevistados (75%) afirmaram que o retorno ao meio sócio-familiar foi de fácil a mais ou menos fácil, onde a intenção pessoal, o apoio familiar e o emprego ocupam lugar de destaque para que esse retorno assim ocorra.
“me esforcei para isso.”
“minha família me recebeu com muita confiança.
“consegui um emprego logo após que saí do Meprovi.”
Dentre os que afirmaram ser difícil esse retorno, dois (16.6%), a argumentação se baseia nos relacionamentos com os amigos.
“os amigos aliciam; querem fazer a gente voltar ao vício”.
Apenas um (8.3%) afirmou ser muito difícil o retorno ao meio sócio-familiar, porque não conseguiu manter-se sem o uso de substâncias psicoativas.
A presença da família permeia todo o processo de tratamento e está presente de forma muito significativa quando o egresso parte para a etapa da reinserção social. A primeira fase dessa nova etapa, sem dúvida, é o retorno ao meio familiar. A forma como ele é recebido e como as relações se restabelecem (entre ele e seus familiares) é de fundamental importância para a sua segurança emocional e social, propiciando-lhe condições propícias para manter-se abstêmio.
Constatamos que, dos doze sujeitos entrevistados, apenas um afirmou estar passando por novo tratamento; todos os demais declararam estar recuperados da dependência química, embora um declare ser apenas “usuário” de álcool e cigarros Nesse quadro, ao analisarmos a dinâmica dos relacionamentos familiares desses atores, constatamos que o diálogo e o respeito mútuo destacam-se como fatores existentes, apontados como positivos ao convívio familiar, tanto dos solteiros quanto dos casados.
Para nove (75%) dos solteiros, o relacionamento familiar é de satisfatório a bom.
“atualmente há uma tentativa de compreensão de ambas as partes”
“...meus pais procuram me ajudar, me apoiar...”
“tento dialogar com a família”
Os dois casados, do total de sujeitos, afirmaram ser o relacionamento conjugal muito bom, havendo “harmonia entre o casal” e mantêm atividade social discreta, sem muitos passeios ou visitas a parentes.
Percebe-se que a figura do pai geralmente está associada à ausência deste, desde momentos anteriores ao surgimento da dependência. A pessoa da mãe é indicada por cinco (62.5%) dos solteiros como a pessoa com quem têm melhor relacionamento no convívio familiar.
“...meu pai foi muito ausente na minha criação.”
“minha mãe que entende o meu dia-a-dia.”
“mãe é o melhor amigo.”
Podemos associar esse dado ao fato de que 58.3% dos sujeitos não pertencem a famílias onde exista a presença de ambos os genitores, demonstrando inclusive que, não raramente têm dificuldades em lidar com o relacionamento paternal, de acordo com as declarações explicitadas acima.
Já, fora do contexto familiar, cinco (62.5%) dos solteiros afirmaram ser a namorada a pessoa com quem melhor se relacionam, somando-se ao fato de que quatro (50%) indicaram que a casa da namorada é o passeio que costuma fazer. Mas, nesse item “dos passeios que costuma fazer”, a freqüência à igrejas aparece com 62.5% dos solteiros, demonstrando que um número significativo de egressos do Meprovi-Clínica procura manter um vínculo religioso após o término do tratamento.
c) quanto à situação religiosa-espiritual
Constatamos que, após a passagem pelo Meprovi-Clínica, a confissão religiosa ganha um destaque importante para o egresso, pois seis (50%) do total de entrevistados afirmaram que, ao iniciar o tratamento, não possuíam qualquer orientação religiosa. Em contrapartida, onze (91.6%) declararam que freqüentam alguma igreja de confissão cristã e, destes, apenas dois (18.2%) afirmaram que não o fazem com assiduidade. Os demais têm freqüência que podemos classificar como semanal.
Para estes, a passagem pelo Meprovi-Clínica trouxe novos conhecimentos, valores e experiências:
“Aprendi a ter domínio próprio e autoconfiança.”
“Aprendi a lutar pelo o que se quer.”
“...tive conhecimentos espirituais, valorizei o que tenho, podendo ajudar outras pessoas.”
“...conhecimento melhor de Deus, novos tipos de amizades.”
“...ter uma vida diferente, voltar a estudar, se valorizar mais, se amar mais, respeitar e amar as pessoas.”
A Instituição tem como pilastra fundamental do processo de tratamento, a orientação espiritual, buscando levar os internos a um resgate de seu relacionamento com Deus, valorizando os aspectos espirituais; e isto se faz a partir da doutrina cristã evangélica. Trata-se de uma opção institucional quanto à linha de tratamento, considerando também de importância vital para o sucesso de seus objetivos, o atendimento psicológico e social.
É perceptível a assimilação desse valor pelos egressos, pois procuram manter essa “relação com Deus”, descoberta durante o período de tratamento, após seu desligamento institucional.
d) quanto à situação profissional
A colocação no mercado de trabalho torna-se também um grande desafio para o egresso do Meprovi-Clínica. Obter um emprego, gerar renda e participar dos proventos para a família, principalmente na faixa etária em que se encontram, é essencial para a sua auto-estima e inserção ao meio social, tornando-se importante condição de reforço, junto com o apoio familiar, para que se mantenham longe de drogas ou álcool.
A questão do desemprego já desponta como um dos fatores de exclusão à medida em que a pessoa torna-se dependente química. Dentre os entrevistados, nove (75%) encontravam-se desempregados quando iniciaram o tratamento; apenas um (8.3%) declarou que possuía emprego e dois (16.6%) não responderam essa questão.
Tabela 4 – Situação empregatícia antes do tratamento
N.º %
Desempregado 09 75%
Sem resposta 02 16.6%
Empregado 01 8.3%
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
Ressaltamos que aquele que declarou encontrar-se empregado quando do início do tratamento exercia a função de carpinteiro, trabalhando por “empreita”. Os demais foram perdendo seus empregos num período que varia de 01 dia a 03 anos antes do internamento.
Ao considerarmos a conjuntura sócio-econômica brasileira, constatamos que o índice de desemprego é bastante significativo em nossa realidade, atingindo todas as áreas profissionais e principalmente as classes mais baixas, com menos acesso à educação e profissionalização. Nesse contexto, ao tornar-se usuária de drogas e/ou álcool, a pessoa torna-se facilmente vítima desse vício, pois os efeitos orgânicos e psicológicos oriundos do uso de substâncias psicoativas logo se manifestam socialmente, atingindo o ambiente familiar, de trabalho e escolar (quando estudante), determinando a perda do emprego e dificultando a inserção em outra atividade profissional.
Em decorrência, conforme estudos já realizados e reportagens quase que diárias através dos meios de comunicação, observamos que, vítimas das drogas e do álcool, os dependentes, não tendo recursos financeiros para a manutenção do vício, entram pelo caminho da contravenção e do crime, cometendo desde pequenos furtos e assaltos até grandes delitos. A miséria, o desemprego, a violência...enfim, fatores determinantes e determinados por esse quadro, associam-se numa cadeia de causas e efeitos, dificultando ao dependente químico superá-la sem ajuda de terceiros, de forma especializada, responsável e compromissada; tendo o apoio familiar como esteio fundamental, conforme já constatamos.
Quanto ao fato de estarem ou não, atualmente, em alguma atividade produtiva, oito (66.6.%) declaram possuir empregos, um (8.3%) afirma ser autônomo e três (25%) estão desempregados.
Tabela 5 – Situação empregatícia após o tratamento
N.º %
Empregado 08 66.6
Sem resposta 03 25
Autônomo 01 8.3
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
Ao compararmos as tabelas 4 e 5, observamos que a situação de emprego desses atores praticamente inverteu-se antes e após o tratamento. Dentre os oito que estão empregados, cinco afirmaram ter iniciado atividade remunerada tão logo deixaram a Instituição. Para dois deles, o emprego aconteceu apenas cinco meses após o término do tratamento, e outro não declarou desde quando está desempregado. O que declarou trabalhar como autônomo está montando uma oficina de conserto de motos, com apoio da família, no quintal da residência.
A remuneração mensal declarada pelos nove que encontram-se em atividade remunerada, varia de R$125,00 a R$1.000,00, sendo a maior concentração na faixa de R$350,00 a R$500,00. O maior salário declarado (R$1.000,00) é de egresso que tem profissão definida, residindo e trabalhando atualmente na cidade de São Paulo. O segundo maior salário que aparece é R$550,00.
É interessante perceber que quase 50% dos egressos conseguiram colocação profissional logo após o desligamento institucional, embora o Meprovi-Clínica não desenvolva nenhum trabalho nesse sentido junto àqueles que estão prestes a terminar o período de tratamento. A explicação talvez esteja no fato de que destes cinco, dois declararam estar trabalhando no setor de comércio com os respectivos pais; e os outros três possuem profissão definida (ajustador mecânico, marceneiro e carpinteiro), especialidades com maior probalidade de inserção no mercado de trabalho do que aqueles sem profissão definida.
Dentre os que ainda encontram-se desempregados, dois terminaram o tratamento há cerca de um ano e permanecem dependentes da família. O outro está novamente em processo de tratamento em outro centro terapêutico.
Quanto aos motivos dificultadores para a colocação profissional, os dois que encontram-se desempregados afirmaram ser “falta de qualificação, cursos, etc.” e “baixos salários”. Como podemos perceber, mais uma vez a questão do emprego e de condições salariais passa necessariamente pela situação educacional.
e) quanto à situação educacional
O grau de escolaridade predominante entre os sujeitos da pesquisa, concentra-se no 2º grau. Não foram identificados analfabetos dentre as 12 entrevistas.
Tabela 6 – Grau de Escolaridade
N.º %
1º grau comp. e incomp. 05 41.6
2º grau comp. e incomp. 06 50
3º grau incomp. 01 8.3
Total 12 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
Todos interromperam seus estudos em diferentes momentos de suas vidas, determinando que, ao iniciarem o tratamento no Meprovi-Clínica, já estavam afastados da vida escolar há cerca de 04, 06, 08, 15 e até, 20 anos.
“Parei por causa da vida errada e perdida na qual vivia.”
“Parei com 13 anos para trabalhar”
Com esse dado, observamos que essas pessoas, ao iniciarem o tratamento, encontravam-se excluídas não só de empregos, mas também dos bancos escolares. Embora o grau de escolaridade não seja tão inferior, não possuem profissões definidas e deixaram os estudos há muitos anos, provavelmente influenciados pelas conseqüências do uso de drogas e álcool.
Durante o processo de tratamento, o resgate da necessidade de estudar acontece naturalmente, principalmente entre os mais jovens. Podemos inferir essa conclusão não apenas a partir de observações e contatos com os atuais internos da Instituição, mas também diante do dado de que, desse grupo de entrevistados, quatro realizaram curso supletivo, oportunizado na Instituição, enquanto estiveram internados. Embora a preocupação com o emprego prevaleça, principalmente no período final do internamento, o retorno à Escola faz parte do processo de reinserção social, apesar de não se tornar uma possibilidade imediata para todos.
Dentre os entrevistados, cinco (41.6%), retornaram aos estudos após o término do tratamento, apontando razões como:
“o estudo é o melhor caminho para quem quer ter um futuro promissor e bem sucedido.”
“estava atrasado”
“resolvi correr atras do tempo perdido.”
Mas, por outro lado, sete (58.3%), ainda permanecem fora do âmbito escolar. Embora a maioria não tenha explicitado as razões por essa opção, duas foram evidenciadas:
“fui trabalhar.”
“não tenho condições de pagar cursos para fazer o vestibular.”
O retorno aos estudos está diretamente relacionado à questão econômica que, por sua vez, associa-se ao emprego. A opção pelo trabalho é mais urgente e necessária do que o retorno aos estudos, por uma questão de sobrevivência. O acesso à escolaridade faz parte do processo de reinserção social e, quando o egresso do tratamento da dependência química, não retorna aos estudos, por causa de condições financeiras, continua igual a tantos outros brasileiros: excluído educacionalmente.
f) quanto à percepção do Meprovi-Clínica pelo egresso
O trabalho proposto pelo Meprovi-Clínica chegou ao conhecimento de oito (66.6%) dos entrevistados através de parentes e conhecidos. Em sua maioria, são pessoas que já haviam tido algum contato com a Instituição. Possuíam algum familiar ou pessoa próxima que tinham passado pelo Meprovi-Clínica ou detinham informações sobre o mesmo.
Sobre a primeira impressão a respeito da Instituição, cinco (41.6%) declararam ter sido “normal, sem expectativas”.
“não conhecia, nunca tinha ouvido falar.”
“estava ‘podre’, então ali ia ser uma maravilha.”
“ já tinha freqüentado outra clínica.”
Porém, outros cinco (41.6%), consideraram-na de “ruim a muito ruim”.
“Achei estranho ao meu tipo de vida...estranhei o mato, a terra e as pessoas.”
“...me pareceu um depósito de ferro velho.”
“por estar em lugar com pessoas viciadas em drogas.” (esse era alcoolista)
Apenas dois (16.6.%) expressaram ter tido “boa impressão” ao chegarem no Meprovi-Clínica, cuja razão principal foi: “fui bem recebido”.
Conforme abordamos no primeiro item desse Relatório, a pessoa quando decide pelo tratamento, geralmente já está muito fragilizada física e emocionalmente, e suas relações sócio-familiares também. Ao chegar à comunidade terapêutica, a primeira reação é de “reserva”, por estar adentrando em um espaço novo e desconhecido. O sucesso ou não do tratamento dependerá, em grande parte, dos novos relacionamento que irá estabelecer no processo que se inicia e a forma como será apoiado para enfrentar os desafios que se farão presentes.
Desse grupo, oito (66.6.%) disseram que mudaram de idéia sobre a Instituição, no decorrer do tratamento. E o principal motivo foi “um conhecimento melhor das pessoas e do local”, apontado por sete desses oito. Aqueles que responderam negativamente foram três, e um não declarou sua opinião.
Porém, há um detalhe importante a ser destacado: dentre aqueles que responderam “não” quanto à mudança de idéia sobre o Meprovi, pautado na primeira impressão, dois haviam declarado ter tido “boa impressão” e um, “normal”.
“recebi apoio lá.”
“o que queria era minha recuperação”
“tive amizade e carinho.”
Constatamos, portanto, que para esse grupo de egressos, o Meprovi-Clínica, mesmo que tenha causado para alguns deles, uma impressão negativa no primeiro momento, esta sofreu modificações no decorrer do tratamento. E, aqueles que tiveram “boa impressão” permaneceram com a mesma opinião até o fim.
Esse fato é também perceptível na fala deles sobre suas experiências durante o tempo de internamento:
“foi muito bom!...hoje estaria na rua, sem emprego e sem família. Também aprendi o que é viver em comunhão com Deus e com os irmãos.”
“No começo foi muito difícil ficar longe da família, em ambiente diferente e lembranças do passado...”
“Muito boa. No começo com dificuldades para deixar o vício; a gente sente falta, ansiedade, mas o organismo vai sendo limpo, e o conhecimento da Palavra vai nos fortalecendo, tornando a gente mais bonito.”
“Fiz amigos, conheci Deus”
Em decorrência, todos foram unânimes em afirmar que indicariam a Instituição para outra pessoa.
“Foi bom para mim, será bom para outros.”
“Indicaria para amigos que estão nas drogas.”
“É um lugar muito bom para quem quer mudar de vida
“Encontrei Deus, resgatei a vida que tinha antes.”
Depoimentos como esses nos levam a refletir sobre a importância de instituições da sociedade civil, voltadas para ações de interesse público. O acesso ao tratamento à saúde é direito de cidadania, preconizado pela Constituição Federal (1988).
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualdade às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (art.196)
e pela Lei Orgânica de Saúde (1990)
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. (art.2º)
Portanto, o acesso ao tratamento da dependência química é direito de cidadania, devendo ser disponibilizado o atendimento adequado, inclusive, para aqueles que não possuem recursos financeiros para tal.
O atendimento a esse direito é de interesse público. A instituição que trabalha na perspectiva de fazer valer esse direito e de garantir a cidadania está cumprindo uma finalidade pública. Volta-se para aquele cidadão que está sendo explorado ( pelos traficantes, pelo subemprego ou desemprego, pela necessidade desesperadora de manter o vício...), excluído ( pela e da família, trabalho, escola...sociedade) e destituído ( de auto-estima, motivação para a vida, esperança e sonhos).
Para cidadãos como esses, o tratamento em comunidades terapêuticas pode se configurar em experiências positivas, trazendo-lhes novas possibilidades e oportunidades de reinserção sócio-familiar, resgatando-lhes a auto-estima e a capacidade de investir na vida, em sonhos e em esperanças. É o resgate da cidadania!
g) quanto ao tratamento efetivo da Dependência Química
Ao serem indagadas quanto ao uso atual de álcool ou drogas (pós-tratamento), dez (83.3%), foram unânimes em afirmar que não fazem uso mais dessas substâncias. Apenas um (8.3.%), ainda usa álcool e cigarros, e outro (8.3%), está em novo tratamento. Ambos afirmaram não estar recuperados da dependência química. O primeiro classificou-se como “usuário” e o segundo como “dependente”; este relatou que, após a saída do Meprovi-Clínica, voltou a ter contato com o ambiente de drogas, através de amigos.
Dentre os oito (83.3%) que afirmaram não fazer uso, atualmente, de drogas e/ou álcool, quatro (50%) declararam que, após o tratamento tiveram contato com o ambiente das mesmas através de amigos, traficantes ou parentes, permanecendo abstêmios; dois (25%) nada declararam e três (37.5%), explicitaram que não tiveram qualquer contato com esse ambiente pois afastaram-se de antigos conhecidos e companheiros, ou não voltaram a residir no mesmo local.
Quanto ao assédio atual por parte de traficantes, apenas dois (16.6%) dos doze afirmaram que são procurados pelos mesmos; três (25%) nada declararam, e os sete restantes (58.3%) disseram não sofrer assédio de traficantes.
Observamos que, mesmo se aqueles que não responderam, sejam assediados por traficantes, a porcentagem ainda seria menor em relação aos que afirmam não serem procurados. Talvez, esse dado esteja associado à mudança de hábitos e costumes, e de ambiente freqüentado antes do tratamento.
À guisa de uma reflexão final sobre os dados coletados, ressaltamos que, com referência aos dez sujeitos do universo de pesquisa em que contatamos apenas familiares, tivemos, a grosso modo, as seguintes informações:
1) cinco (50%) permaneceram sem usar drogas ou álcool e encontram-se trabalhando; não há informações sobre se voltaram a estudar;
2) cinco (50%) retomaram o uso de substâncias psicoativas. Destes, um não se sabe o paradeiro; dois moram com as respectivas mães, e os outros dois estão residindo fora de Londrina, um com o pai e o outro com um tio.
Se acrescentarmos à amostra pesquisada (12) os egressos sobre os quais obtivemos informações mesmo que generalizadas (10), teremos um total de 22 egressos com os quais estabelecemos alguma contato direto ou indireto. Desses, segundo os dados das entrevistas e contatos realizados, quinze (68.2%) não retornaram ao uso de drogas ou álcool, e sete (31.8%) reiniciaram. Ignorando os outros dez que somam aqueles que não foram encontrados ou que não deram retorno, perceberemos a seguinte tabela:
Tabela 7 – Abstêmios x não Abstêmios
N.º %
Permanecem abstêmios. 15 68.2
Não permanecem abstêmios 07 31.8
Total 22 100%
Fonte: Pesquisa egressos Meprovi – 2000
Com esses dados observamos um índice médio de 68% de resultado positivo no tratamento da dependência química, realizado pela Instituição em foco. Sem dúvida, trata-se de um dado importante, mas não totalmente confiável pois muitas são as variáveis presentes, dentre as quais destacamos duas:
1ª) as informações dos familiares são muito generalizadas, não fornecendo dados concretos;
2ª) os dados dos sujeitos que não responderam a pesquisa poderiam, com facilidade, alterar esse índice.
O Processo de Tratamento em Relação ao Processo de Reinserção Social: aspectos conclusivos
Nosso grande desafio, antes, durante e depois da realização dessa pesquisa centrou-se na busca de uma compreensão mais exata sobre o processo de reinserção sócio-familiar do egresso do Meprovi-Clínica. O interesse por esse tema originou-se de nossa preocupação em buscar indicadores sobre a eficácia do tratamento realizado, tendo como critérios de análise a dimensão sócio-familiar, com enfoque na área educacional, profissional e espiritual. Indo mais além, tivemos como intencionalidade inerente à realização da pesquisa a definição, sistematização e implantação de um trabalho interdisciplinar no contexto do Meprovi-Clínica que abrangesse também o pós-internamento.
Não foi difícil constatarmos o importante papel que a família ocupa durante todo o ciclo do tratamento. Para o interno, manter o vínculo com aqueles com quem tem referência afetiva, por mais tênue que seja, é de vital importância para sentir-se seguro e alimentar-se da certeza de que tem “para quem” e “para onde” voltar. E quando falamos em família, nos referimos a “...um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos.” (Mioto, 1997, p.120).
Para o interno e/ou egresso de uma comunidade terapêutica, a família pode estar representada pelo vínculo com ambos os pais e irmãos, somente com um dos genitores, com irmãos, tios ou... simplesmente pessoas com quem têm vínculos de amizade e que os visitam e os acompanham no momento do desligamento da instituição.
Para aqueles que não têm essa referência, a proximidade da época de desligamento institucional pode tornar-se extremamente angustiante. Existem atualmente morando no Meprovi-Clínica, três ex-internos que, ao completarem o ciclo de tratamento, não tendo para onde ir, permaneceram na Instituição. Um deles, ainda bastante jovem, estuda e trabalha fora das dependências do Meprovi-Clínica, para lá retornando para dormir e descansar.
No entanto, esse retorno ao convívio familiar, muitas vezes, não acontece com a tranqüilidade necessária ao equilíbrio emocional do egresso ao iniciar essa nova etapa de sua vida. Sempre há uma expectativa de ambos os lados que podemos constatar em frases como:
“...é difícil os pais confiarem em quem já deu tanto trabalho.”
“...meu pai nunca foi de trabalhar. É difícil aceitar a postura dele, conviver com ele”
Por outro lado, não podemos nos esquecer que são famílias comuns, que vivem os problemas do cotidiano, enfrentam problemas de ordem econômica, emocional, social, conjugal...
“...com a minha mãe tudo bem, mas com o meu pai é difícil...meu pai só fica no ‘boteco’”.
“tenho dificuldade de abrir-me, de compartilhar.”
Mesmo assim, encontramos condições facilitadoras a esse retorno, representadas por frases como:
“O pai é meu melhor amigo, nos entendemos muito bem; moramos apenas os dois”
“Porque meus pais procuram me ajudar, me apoiar e também, muitas vezes, ajudam a resolver meus problemas.”
Fica-nos evidente a importância desse momento de reinserção familiar ocorrer da forma mais satisfatória possível. Para alguns, conforme vimos é um processo quase que natural, para outros porém, é mais difícil.
Isso nos leva a pensar no importante papel que a Instituição ocupa, intermediando as relações familiares, desde o momento do internamento, permeando todo o ciclo do tratamento e acompanhando o desligamento e a volta ao convívio familiar. Destacamos aqui um importante espaço de atuação profissional da equipe técnica, principalmente na pessoa do assistente social e psicólogo que, através de contatos e entrevistas, atendimento grupal e individual, e de visitas domiciliares, vão atuar no sentido do restabelecimento e/ou fortalecimento desse vínculo, durante todo o período do internamento e após o mesmo, dando o acompanhamento e o suporte terapêutico e assistencial necessários.
Sem dúvida, o retorno ao convívio familiar representa importante etapa no processo de reinserção social do egresso do tratamento da dependência química, devendo, na medida do possível ocorrer da forma mais natural e tranqüila possível. E, quando não há família para onde retornar? O atendimento psicossocial, durante o internamento, deve enfocar esse aspecto também, levantando alternativas, capacitando pessoal e profissionalmente o interno, preparando-o para a sua reinserção ao meio social. O meio sócio-familiar não é harmonioso e sem problemas; traz contradições inerentes à realidade social, econômica, cultural e política mais ampla. O egresso necessita desligar-se da Instituição fortalecido para vivenciar essas contradições e, consciente de sua cidadania, fazer valer seus direitos e saber utilizar-se dos recursos necessários ao atendimento de suas necessidades.
Nesse aspecto, entra a questão da sua reinserção educacional e ao processo produtivo. Constatamos que, a grande maioria daqueles que chegam à comunidade terapêutica para submeter-se ao tratamento, já deixaram os bancos escolares há bastante tempo e, não raramente estão desempregados. À medida que vão resgatando o vigor físico, intelectual e emocional, redescobrem-se como sujeitos capazes de transformar a própria realidade e retomam a capacidade de fazer planos, sonhar e ter esperança em reconstituir suas vidas, seus casamentos, suas famílias...A volta aos bancos escolares e a conquista de um emprego, tão logo saiam da Instituição, geralmente faz parte desses sonhos, conforme constatamos na interpretação dos dados coletados.
Mas, esse processo também não se dá de forma despreocupante para o egresso do tratamento químico. A questão do desemprego é fato concreto e presente na realidade sócio-econômica de nosso país e, para aqueles que estão querendo uma oportunidade no mercado de trabalho e que estiveram por um tempo significativo fora dele, ou que não tenham qualificação profissional específica, este torna-se um desafio ainda maior, quase desumano.
Observamos que a inserção no mercado de trabalho para a população entrevistada não foi algo muito fácil. Conseguiram-no por contar com o apoio da família, trabalhando junto com os pais ou por possuírem qualificação em alguma área técnica. Outros esperaram meses para uma chance de emprego e, ainda outros permanecem desempregados, sendo sustentados pela família. Por sua vez, o acesso a um novo ciclo escolar passa necessariamente pela questão do emprego e das condições financeiras. Mesmo assim, principalmente os mais jovens, quando têm condições e são apoiados pela família ou companheiros, retornam aos estudos. Quando isso acontece, é a retomada do ciclo natural da vida, da capacidade de investir na esperança de melhores dias e de não mais voltar à desesperança das drogas e do álcool.
Acreditamos que, nesse âmbito a Instituição muito pode colaborar também com o interno durante o processo de tratamento. Aliás, faz parte desse processo, propiciar ao interno oficinas sócio-educativas e de profissionalização que lhe facilite o processo de ação-reflexão sobre sua realidade, a realidade na qual está inserido, as possibilidades e os limites presentes para a sua inserção educacional e produtiva no meio social.
Nesse ciclo de reinserção, novas relações sociais serão estabelecidas, faciltando-lhe o rompimento com aquelas anteriores presentes no ciclo do tráfico e da utilização de drogas e do álcool.
Para a população entrevistada, essa é uma questão preocupante. Tanto que, conforme detectamos nas entrevistas, alguns, por opção ou condição familiar, após o desligamento institucional, foram residir em locais diferentes do anterior, estabelecendo novas relações de amizade. Alguns depoimentos de mães apontaram que, dentre aqueles que retornaram ao uso de drogas, uma das condições facilitadoras foi a volta ao convívio com antigos amigos e companheiros. O fato de mudarem de ambiente não significa que vão estar fora da possibilidade de serem assediados por pessoas envolvidas com a drogadição, mas não deixa de ser uma possibilidade menor disso acontecer. Isso podemos constatar frente à resposta de que 58.3% não tem sido assediado por traficantes.
Outro fator importante a ser destacado nessa questão do estabelecimento de novas relações sociais é o aparecimento de uma preocupação maior com a dimensão espiritual. Vimos que a grande maioria dos egressos, ao terminarem o tratamento, desvinculando-se da Instituição, buscaram freqüentar uma igreja. Nessa nova dinâmica de relações, fazem novas amizades, criam novos vínculos, sentindo-se “pertencentes” a um grupo que lhes dá a possibilidade de referência e de “inclusão”. A descoberta do relacionamento com Deus também ocorre de forma muito significativa para esses egressos, e buscam nos diferentes grupos religiosos (cristãos) a oportunidade de continuar cultivando a dimensão espiritual.
“Peço força e proteção de Deus todos os dias para ficar firme. Às vezes dá vontade de ‘voltar’. É uma batalha! Por isso busco muita força em Deus.
“Estou recuperado da dependência química pela libertação de ‘Deus’”.
“Não uso mais álcool e não uso mais drogas. Graças a Deus!”
“...hoje sou um servo de Deus.”
Percebemos que, ao retomarem o curso natural de suas vidas, pós-tratamento, essas pessoas voltam-se basicamente para a dimensão familiar, econômica, educacional, social e espiritual. O processo de reinserção permeia todas essas dimensões.
NOTAS
1 O modelo de família nuclear é o monogâmico, heterossexual e patriarcal, constituído basicamente da figura paterna, materna e dos filhos, no qual cada um desses possui suas funções e cumpre seu papel “Esse é o modelo que se vê desde criança nos livros escolares, nos filmes, nas propagandas de TV, mesmo que seja diferente da família que se vive no cotidiano.” (Carvalho, 1994, p.8) [volta]
ABSTRACT
This work is a synthesis of an exploratory study report carried out from January to June 2000, with the people who completed the treatment cycle of the Ministério Evangélico Pró-Vida (Meprovi-Clinics), who left the Institution in 1998 and 1999.
Our concern was to conduct a study that indicate the dynamic of exclusion/inclusion process of the Meprovi-Clinics ex-inmate in the social environment, starting by the family living.
Our concern was to conduct a study that indicate the dynamic of exclusion/inclusion process of the Meprovi-Clinics ex-inmate in the social environment, starting by the family living.
Key words: chemical dependence; exclusion; social-family insertion.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Maria do Carmo Brandt de (Coord.). Serviço de proteção familiar. Cadernos de Ação, n. 5, 1994.
CASTEL, Robert. As Armadilhas da exclusão. In: BÓGUS, Lúcia; YAZBEK, Maria Carmelita ; WANDERLEY, Mariangela B. (Orgs.). Desigualdade e a questão social. São Paulo, Educ, 1997.
MAPA da Exclusão. Folha De São Paulo, São Paulo, 26 set. 1998. Caderno Especial, p. 2.
LOPES, José Rogério. Mínimos sociais, cidadania e assistência social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v.19, n. 58, p.94-108, nov. 1998.
MARTINS, José. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo, Paulus, 1997.
MIOTO, Regina Célia Lamasso. Família e serviço social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v.18, n. 55, p.114-130, nov. 1997.
SAWAIA, Bader (Org.). As Artimanhas da exclusão. Petrópolis. Vozes,1991.
SPOSATI, Aldaíza. Mínimos sociais e seguridade social: uma revolução na consciência da cidadania. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 18, n.55, p. 9-38, nov.1997.
WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v.18, n. 55, p.74-83, nov. 1997.
YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo, Cortez, 1993.